ULSM alcança o 100.º procedimento de sleeve gástrico em ambulatório

ULSM alcança o 100.º procedimento de sleeve gástrico em ambulatório

A Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) atingiu um marco importante ao completar o 100.º procedimento de sleeve gástrico em regime de ambulatório. O cirurgião Gil Faria, Coordenador do Centro de Tratamento da Obesidade e Cirurgia Hepato-biliar da ULSM, partilhou a sua opinião sobre o projeto, destacando o empenho da equipa e a inovação da abordagem selecionada, que tem permitido reduzir listas de espera e aumentar a satisfação dos doentes.

A cirurgia de sleeve gástrico em regime de ambulatório é um marco importante para a ULSM e para a sua carreira, especialmente ao assinalar o 100.º procedimento. Como se sente em relação a este feito? 

Gil Faria (GF) - Antes de mais, um orgulho imenso em toda a equipa que permitiu este programa. Quando sonhámos em realizar as cirurgias em ambulatório, toda a equipa (cirúrgica, anestésica e enfermagem) acarinhou o projeto e esforçou-se além do exigível para que fosse possível concretizar o sonho. Hoje, passados mais de três anos, continuam a demonstrar toda a sua motivação, fazendo com que o sonho se torne realidade e, aos poucos, a cirurgia de sleeve gástrico em ambulatório se vá tornando o novo normal. Se no início alguns “estranharam” esta opção, hoje em dia a pergunta que se impõe é: “Porque não operar este doente em ambulatório?”.

Foram três anos de desafios superados, mas também de muita satisfação por ver os resultados desta opção, por ver a satisfação dos doentes, a motivação dos profissionais e a consistência do processo que nos permitiu chegar às 100 cirurgias de sleeve e, entretanto, iniciar também o processo de ambulatorização das cirurgias de bypass gástrico.

Quais acredita serem os principais fatores que contribuíram para o sucesso deste método na sua prática?

GF - Acima de tudo uma grande equipa! O sucesso da cirurgia de ambulatório não depende de uma pessoa ou de uma técnica em particular, mas do esforço conjunto e do espírito de missão de toda uma equipa que permite que os nossos doentes possam recuperar de forma mais rápida. A otimização da técnica cirúrgica e dos dispositivos utilizados e a melhoria nos protocolos anestésicos e cirúrgicos permitiram uma reduzida taxa de complicações cirúrgicas, o que é fundamental para poder assegurar o bem-estar do doente e a sua segurança em todos os passos deste processo.

Com estes 100 casos, considera que é possível comprovar, de forma evidente, a eficácia desta abordagem em termos de otimização de recursos da ULSM, nomeadamente na redução das listas de espera e das complicações pós-operatórias?

GF - Sim. Sem dúvida. Foram 100 doentes que libertaram recursos de internamento (são pelo menos, menos 100 camas hospitalares utilizadas) e puderam recuperar no domicílio. E são 100 cirurgias que puderam utilizar recursos previamente alocados a outras cirurgias com menor pressão a nível de resposta da instituição. Como sabemos, a cirurgia da obesidade tem um importante problema de acesso em todas as unidades, pelo que aumentar o volume de cirurgias é fundamental. No nosso caso, permitiu aumentar pelo menos em 30% o número de cirurgias efectuadas e reduzir, portanto, o tempo de espera para cirurgia.

Pode partilhar algumas lições aprendidas ou desafios enfrentados durante os primeiros procedimentos de sleeve gástrico em regime de ambulatório que considere relevantes?

GF - Quando os projetos são sólidos, bem preparados e conseguimos reunir uma equipa motivada, acabam sempre por acontecer. Inicialmente, foi recebido com alguma desconfiança entre alguns pares a realização de cirurgia tão “diferenciada” em regime de ambulatório, mas a convicção de que o proposto era seguro para os doentes, aumentava a sua satisfação e permitia à instituição dar mais e melhor resposta aos nossos doentes foi fundamental para que toda a equipa acreditasse ser possível. Ainda numa fase inicial, selecionámos os doentes de menor risco e, progressivamente, fomos alargando os critérios e a complexidade das cirurgias. O retorno muito positivo por parte dos doentes fez com que, desde o início, todos acreditássemos ser este o caminho a ser percorrido.

Como tem sido a aceitação dos doentes em relação a este procedimento cirúrgico? Que feedback tem recebido dos doentes que passaram por esta intervenção?

GF - Ótima! Atualmente, são já os doentes que nos solicitam o tratamento em ambulatório. As taxas de satisfação são muito elevadas, os doentes sentem-se seguros e apoiados em todo o processo e praticamente todos recomendariam a cirurgia em ambulatório a outros doentes. A taxa de complicações tem sido muito reduzida (como é mandatório neste procedimento) e a taxa efetiva de ambulatorização é muito elevada.

Poderia partilhar algum caso de sucesso, entre estes 100, que tenha acompanhado após a realização da cirurgia? Quais foram as transformações mais significativas que observou?

GF - Todos os dias vemos transformações. A cirurgia metabólica é uma ferramenta que muda vidas para melhor. Não só os doentes perdem peso e carga de doença, mas acima de tudo ganham qualidade de vida. Volta a caminhar sem dor, a praticar exercício, a brincar com as crianças e a ter uma relação mais feliz com a vida. O tratamento em ambulatório não muda os resultados, mas facilita o processo de recuperação.

Tendo o conta as estatísticas da obesidade em Portugal, que papel acha que o sleeve gástrico em regime de ambulatório tem no combate a este problema de saúde pública?

GF - É imperativo aumentarmos a capacidade de resposta a nível de cirurgia da obesidade. A obesidade é um verdadeiro flagelo social, atingindo uma em cada quatro pessoas em Portugal. Estima-se que apenas 1% dos doentes elegíveis tenham acesso à cirurgia e, portanto, é nosso dever aproveitar todas as oportunidades que pudermos para aumentar a capacidade de resposta. A cirurgia em ambulatório é uma excelente oportunidade, não só de aumentar o número de cirurgias, de otimização de recursos, mas também uma forma de diminuirmos o custo global associado ao tratamento cirúrgico (o que tem um papel importante na sustentabilidade do Sistema de Saúde).

No que diz respeito à cirurgia de obesidade em regime de ambulatório, quais são os seus objetivos pessoais e os da ULS de Matosinhos para o futuro?

GF - A cirurgia da obesidade em ambulatório é uma aposta do nosso centro. Queremos continuar a fazer cada vez mais, a melhorar os nossos protocolos, a alargar as indicações cirúrgicas a nível de doentes e de técnicas e a melhorar todo o sistema de apoio para garantir um processo seguro e confortável para os nossos doentes. Dito isto, a ambulatorização não é um objetivo em si mesmo, mas um meio para melhorar a satisfação. A utilização dos mesmos protocolos de recuperação rápida, mesmo nos doentes operados em regime de internamento, permite recuperações mais rápidas e altas hospitalares mais precoces (com todas as vantagens a nível de conforto, satisfação e redução de infeções).

Considerando os avanços tecnológicos recentes, como avalia o impacto dessas tecnologias na prática ambulatorial? E como antevê que essas tecnologias possam influenciar da área?

GF - O papel da tecnologia é melhorar os resultados cirúrgicos. É tornar as cirurgias mais seguras, mais eficazes e com melhores recuperações. Atualmente, penso que existem duas áreas que estão a revolucionar os cuidados cirúrgicos: a Robótica e a Inteligência Artificial (IA). Na ambulatorização da cirurgia da obesidade, ambas poderão ter um papel importante. Se por um lado a Robótica nos vai permitir fazer cirurgias com maior precisão, com melhor “qualidade”, vai permitir-nos estender os limites daquilo que é hoje em dia possível. A IA, aqui talvez ajudada pela telemonitorização, vai permitir-nos tomar melhores decisões: estimar melhor o risco para cada doente, vigiar os sinais de alarme à distância, servir de elo de suporte ao doente e avisar-nos de potenciais riscos ou detetar precocemente complicações.

Tendo em conta a sua experiência, que recomendações daria aos profissionais de saúde na abordagem à cirurgia de obesidade em regime de ambulatório?

GF – Acreditem! Quem faz cirurgia da obesidade tem de ter baixas taxas de complicações e baixas taxas de complicações permitem a ambulatorização dos cuidados. É uma daquelas situações win-win. É bom para os doentes, é desafiante para os profissionais e permite às instituições produzir mais e melhor, com menos. A tendência em todo o mundo tem sido essa e os desenvolvimentos tecnológicos e crescente segurança da cirurgia têm demonstrado que é possível apostar nestes projetos. O nosso objetivo ao sermos pioneiros, não é sermos os únicos, é estimularmos que outros possam fazer o mesmo, para progredirmos todos no tratamento da obesidade!